Do blog Alpharrábio, de Viegas Fernandes da Costa:
“Farol do espaço profundo”
Viegas Fernandes da Costa
Não sou propriamente um leitor de ficção científica, e devo confessar aqui certo preconceito em relação ao gênero. Lembro-me de, na adolescência, ter lido algo de Arthur C. Clarke e, claro, “A máquina do tempo” de Herbert George Wells. Para além, pouquíssima coisa. Androides, espaçonaves intergalácticas, ovnis e vida extraterrena chegaram-me mesmo foi através do cinema, e houve até alguns filmes do gênero que ingressaram em meu panteão cultural pessoal, como é o caso de “2001 – Uma odisseia no espaço”, dirigido por Stanley Kubrick a partir do romance do já citado Arthur C. Clarke.
Faço o preâmbulo porque, depois de ler “Farol do espaço profundo”, de Roberto Belli, senti-me convidado a escrever sobre o livro, ou melhor, sobre minha experiência de leitura dos contos de ficção científica que compõem a obra. Entretanto, como me falta conhecimento do gênero, reconheço: limito-me ao comentário de “encantamento”. E “encantamento” é mesmo a palavra correta, já que Belli me devolveu, com suas histórias, o gosto “de uma primeira vez”.
Com sua escrita direta e elegante, criativa e repleta de minuciosos detalhes (qualidades que redimem a obra de alguns problemas de revisão e edição), Roberto Belli apresenta-nos seis contos (os dois primeiros verdadeiras novelas, dada a extensão e estrutura dos mesmos) que discutem, em extremo, os limites da existência humana no planeta Terra. O tema não é novo, sabemos, mas em “Farol do espaço profundo” o autor apresenta-nos o paradoxo da ciência: se, por um lado, o conhecimento científico pode apresentar as respostas para um futuro em que nossa espécie terá que procurar outro planeta para viver (como é o caso de “Farol do espaço profundo”, novela que dá nome ao livro, e do conto “Exodus”), por outro pode também promover nossa completa extinção, neste caso representada pelo robô Tec-5, protagonista do conto “Tardio”.
Já “O mar de Galant”, novela que abre o livro, remeteu-me a um antiquíssimo mito hindu que afirma ser o universo um organismo vivo, no qual cada astro seria um dos seus órgãos. Quando conheci o mito pela primeira vez, logo me percebi na condição de um vírus ou uma bactéria habitando este incomensurável corpo. Galant, nascido na mente fértil do autor, é este organismo vivo que procura compreender e desabilitar tudo que lhe é estranho. Vale dizer, “O mar de Galant” e “Farol do espaço profundo” são, sem dúvida, o ponto alto do livro, e as possibilidades de vida extraterrena não caem nas fórmulas fáceis do E.T. de Spielberg. Há vida inteligente fora de nosso Sistema Solar, mas esta não pode ser compreendida a partir dos nossos padrões humanos e terrenos. Como nos lembra François Jacob em “O jogo dos possíveis”, geralmente quando representamos, seja no cinema, nas artes plásticas ou na literatura, vida inteligente fora da Terra, representamo-na a partir de padrões que nos são familiares: os extraterrenos, ainda que providos de uma anatomia bizarra, comunicam-se através de um cérebro, possuem olhos, membros etc. Ou seja, não diferem muito de nós. A vida extraterrena nos contos de Belli, por sua vez, não possui forma palpável, e nisto aproxima-se do Deus bíblico. A comparação não é gratuita, também em “Farol do espaço profundo” podemos encontrar a narrativa escatológica “construtora de mundos”.
Para além da dimensão estética, há nos contos do livro uma dimensão ética. As tramas de “Farol do espaço profundo” capturam o leitor e constituem-se em leitura prazerosa, mas também provocam a reflexão sobre nossa condição humana, nosso estar no mundo e nossa utopia de eternidade genética. Neste sentido, percebemos ainda a postura de um autor que acredita em valores – literalmente – universais. Pacifismo, solidariedade, amor e autoridade moral são estes valores que costuram e sustentam as tramas do livro.
Apesar de pouco explorada na literatura brasileira, “Farol do espaço profundo” mostra que há lugar para a ficção científica em nossas estantes.